Camille’.Combo.
Camille Bomverde era uma garota diferente. Não era da calçada e nem de luxo. Era digamos, peculiar. Subjetivo, não? Mas na verdade, é bem simples. Camille só transava com dois ao mesmo tempo. Sempre! Se viesse um pobre coitado solitário, ela botava pra engrossar as canelas. Podiam ser dois homens, duas mulheres, um casal hétero… Mas tinham que ser dois. Camille Bomverde fazia questão de gozar. Amava seu trabalho. Sabia fazer como ninguém, recebia uma boa grana e uma deliciosa descarga energética completa. Enquanto um fodia, enfiando dedo, língua ou pau, o outro ser humano fazia o sexo oral. Camille entregava o corpo ali, na boca e no contorno de estranhos pagantes. Era divino, descabido, mas muito bem medido. Camille Bomverde montou assim, um cardápio de combos. Esse descrito agora, era o combo um. Os combos dois e três, envolviam mais pessoas. Aqueles que ficariam em seus seios e boca. Outros a quem Camille só assistiria. Como uma crítica de teatro, como uma voyer de alto calibre. A moça era de fato realizada e feliz. E não escondia. Todos sabiam. Sentia orgulho. Estranhamente, mas sentia. A família jamais compreendeu. Camille lamentava. E seguia. Torcendo narizes e acumulando gozos múltiplos e ininterruptos. Fluidos, como a vida deve ser.
Kalidia’…Otto Lara Resende ou…
Kalidia era amante de histórias humanas. Onde cada face de desnuda de hipocrisias e falsos amores. Tomada por tamanha paixão, passou a tirar do papel os fetiches mais surpreendentes e a colocá-los dentro de si. No início, convidava os amigos mais livres que tinha e ensaiava com eles cada contexto, cada linha bem escrita. Começou com Nelson Rodrigues. Saiu de carro com um antigo colega dos tempos de escola. Foram parados repentinamente pela tempestade que caía grossa do céu e por um volumoso grupo de homens negros surgidos do asfalto. Alguns eram magrelos, outros bem fortes. Eles a arrancaram do carro e a deitaram sobre o capô rasgando com uma pitada de violência suas roupas. Kalidia fingia surpresa e medo. Mas logo se entregou gritando para o homem mais gordo do bando: “cadelão, me fode cadelão” e ria, completamente molhada por fora e por dentro. Enquanto isso, o antigo colega dos tempos de escola, assistia a tudo perplexo. Ele não sabia ao certo o que aconteceria. Foi às cegas para uma “aventura” prometida por ela. Com o tempo, Kalidia deixou a “bonitinha, mas ordinária” de lado e começou a escrever com seu próprio corpo novas histórias. Fundou então o Clube de Leitores e Escritores Ativos. Dentro de sua própria casa. Eram noites orgásticas regadas a vinho, músicas devidamente selecionadas, e uma inspiração lasciva e ousada. Fingiam ser escravos sexuais, viciados em tabus e jogos casuais. Homens, mulheres, trans, todos ferviam numa sopa de letras bem temperada e muito colorida! Kalidia ganhou fama nos bastidores seletos de outros grupos sexuais. E transformou seu hobby em ganha pão. Começou a fazer sessões de aconselhamento, oficinas de liberação corporal e criou um blog erótico. Fez seu prazer pela investigação da alma humana virar fortuna. Independente e sem culpa. Sem máscara. Linda e ordinária!
Janaína’!Hora extra!
Janaína trabalhava em um ambiente predominantemente masculino. Testosterona subindo a todo suor dentro de um prédio corporativo no centro da cidade. Ternos, gravatas e engraxados sapatos que passeavam o dia todo entre os vinte e três andares de uma das mais antigas construções da região. Sempre muito concentrada, Janaína contornava olhares e más línguas. Inevitavelmente a moça chamava a atenção por sua beleza e por pura raridade. Afinal, uma empresa como aquela, contratava pouquíssimas mulheres. Janaína tinha mestrado, doutorado, era premiada e extremamente curiosa. Ágil e amável. Uma mulher. E que mulher! Sua voz firme e organicamente grave lhe conferia uma segurança que se via em poucas pessoas. Janaína… Sempre despistando a gula dos casados e dos moleques. Procurava um parceiro na cama e na vida. Mas quem iria encarar um metro e setenta e oito de fêmea bem sucedida e segura de si? Gil. O carinha da copa. Aquele que servia o cafezinho mais honesto do setor. De sorriso largo e sincero. Músculos bem desenhados sob o uniforme meio desajustado mas muito cheiroso. Certa noite, Janaína encontrava-se em meio a relatórios e projetos inacabados. Estava sozinha, pensava. Mas eis que surge na porta de sua sala o copeiro. Já sem uniforme. Janaína o enxergou pelado. Mas a camisa preta desbotada de manga comprida dobrada até a metade do braço a fazia voltar à realidade. Ficou quente. Ela e o ambiente. Gil perguntou: “dona Janaína, não sabia que a senhora ainda estava aqui. Precisa de alguma coisa?”, e Janaína respondeu: “sim. Por favor Gil, tire a camisa.” O rapaz assustado, em silêncio, obedeceu. Janaína se levantou e com uma das mãos abaixou a alça de seu vestido. Depois desceu a calcinha até os pés e se livrou dela com um leve chute no ar. Não usava sutiã. Não naquele dia. E sob o olhar estarrecido de Gil, Janaína sentou-se em sua cadeira de chefe e abriu as pernas. Gil caminhou em sua direção e adentrou sem cerimônia o corpo escandalizado daquele pedação feminino. Somente os cidadãos entorpecidos e perdidos da madrugada escutaram os gritos e gemidos vindos da única janela acesa do grande prédio empresarial cravado no coração da metrópole.
Francisca’.O casamento.
Francisca estava trancada dentro de seu banheiro enorme. Banheira, ducha, pias, velas coloridas e aromáticas em cristais enfeitavam e perfumavam o ambiente calculadamente branco, clean. A aliança estava fora do dedo, esperando sobre a pequena janela do centro. Neto penetrava Francisca de pé, contra a parede úmida e escorregadia do boxe de vidro temperado. Eles gemiam alto e grave. Os azulejos claríssimos como gelo, ressoavam com requinte de detalhes, os muitos sons guturais que saiam daqueles dois corpos fodidos. Neto chupava Francisca embaixo d’água, sob o jato forte e preciso. Parecia se afogar. Mas continuava até Francisca gozar. E ela gozava longamente. Como se dividisse o próprio corpo em pequenas e excitantes estações. Francisca tremia inicialmente pelos pés, pela base. E sua energia iluminada subia para as pernas, invadindo seu tronco, seus seios duros, apontados, morrendo enfim em seu rosto congelado. O vinil tocava ao fundo uma Billie Holiday encantada. Francisca se refrescava. Neto esfregava a espuma cara em seus contornos. Sua pele se arrepiava. Se beijavam. Violentamente. O beijo mais encaixado. Mais cheio de carne, de língua, de jeito. Francisca descia e chupava Neto. Duro e venoso, dentro de sua boca. Ia e vinha, muitas vezes. Neto gozava dentro dela. Pelo seu apetite, por seu paladar, Francisca engolia e flutuava entre o vapor do banheiro até a Jacuzzi. Entrava cada uma de suas estações. Pés, pernas, tronco, seios e rosto. E ali ficava por um tempo. Neto ia embora. Carlos chegava. Beijava a esposa Francisca e trepava com ela. Íntimo, gostoso! Neto voltava. E trazia Catarina. Uma mulher para poucas palavras. E ali, naquele banheiro branco, quatro corpos se incitavam incessantemente. Se confundiam, se trocavam, se comiam, gozavam! Na pequena janela do centro esperavam agora duas alianças.
Nora’.O bilhete.
Nora acordou completamente num segundo. Sentia-se forte, potente, sexy! Caminhou até o banheiro e contemplou seus olhos borrados de rímel, lápis e delineador preto. Gostava dessa cara remendada de ontem. O dia seguinte parecia sempre uma foto instantânea e efêmera do passado recente, ainda fresco. Uma polaroide. E que seguia perecível na pia do banheiro de Nora. Caminhou até a sala e encontrou um bilhete na mesa de centro, entre as revistas de moda e arte da sala de Nora. As palavras feitas à mão contidas no papel diziam: “Descobrir mais detalhes dessa menina amanteigada me deixa elétrica. Sinto a energia fluindo como a água que corre sem parar, sempre seguindo em frente! Correnteza que sou, queria desaguar em você, algumas vezes, repetidas vezes, me deixando encharcada de delírio e deleite. Peço que não te assombres com minhas atitudes ou palavras. Apesar do que parece, é puro e dolorosamente sincero. Estou fazendo o que eu quero. O que o coração pede a cada novo amanhecer que posso me encontrar com você, e assim, dividir conversas, forças, músicas, fumaças e pele! O que eu posso fazer? Ainda não sei. Tô fazendo como me vem. E você me vem, a toda hora na memória do meu corpo. Aproveite o final da semana, durma bem, ame o seu pai, seu irmão. E volte! Estarei te esperando.” Nora impactada caminhou trêmula até a geladeira e pegou sua garrafa quase congelada de água. Tomou um gole e meio e sentou-se no banco colorido de vermelho embaixo da bancada de sua cozinha. Cozinha de Nora. Espaçosa, livre, arejada. Ela segurava entre os dedos compridos as palavras recém lidas de Moema. Sua doce pequena. E prendia dentro de si o cheiro e a textura dela. Bebeu mais um longo momento congelado de água e se levantou. Pegou uma banana, duas. Precisava ir embora e deixar aquele lugar. Por algum tempo…