.Saborela – Parte um.
Nina metia a boca em tudo o que via. Desde pequenina, precisava sentir com o tato da língua todos os sabores de suas descobertas. De alimentos a objetos. Nada passava por ela sem o seu crivo palativo. Texturas, formas e tamanhos eram conhecidos de dentro para fora. Seu pai enlouquecia e berrava de onde estivesse: “feche a boca Nina Maria”. Mas a boca não obedecia. O tempo correu, Nina cresceu. Seus lábios também cresceram, carnudos e vermelhos. Como os morangos do Mercado Municipal de São Paulo. Os mais caros. Porém, os mais desejáveis. Nina também se tornava cara. E claro, facilmente desejável. A cada ano, mais experiência sua boca ganhava. Nina agora era chef de cocina. Por aquelas papilas gustativas passavam os pedaços de carnes mais suculentos, as frutas mais raras e os doces mais explosivos do setor. A moça vivia entre mel, vinhos, tâmaras, e toda uma infinidade de sabor. Nina. Chef, empresária, empreendedora confiante. Mulher sagaz e inteligente! Mas algo parecia sair do ponto. Ela própria se deu conta. Todo aquele corpo que emoldurava sua alma não poderia suportar tantos olhares gulosos que ali pousavam. Nina passou a comer. Desenfreadamente. Nina comia para não ser comida. Nenhum paladar no mundo poderia degustar com a sinceridade necessária todo aquele panelão de mulher. Nina queria na verdade, ser comida de colher. Como um bom brigadeiro recém feito. Sem pressa, sem apego. Apenas vivendo o momento do encontro entre criador e criatura . Nina engordou. E muito! Fato que deixou sua boca ainda mais avermelhada. Um dia, cansada da labuta diária, adormeceu em cima da banana flambada. Acordou inteiramente adocicada e mordiscada. Por todo o seu corpo havia uma marca. Alguém estivera por ali. Por todo aquele corpo. Nina levantou de repente e gritou: “quem aqui me provou?” E prontamente o barista de seu restaurante levantou o braço. Todos o olharam. A grande mulher então questionou: “e gostou?” O rapaz, um pouco encabulado, respondeu-lhe que sim. “Deliciosa!” Nina por sua vez, sem esboçar mais nenhuma palavra, pegou o rapaz pelo braço e subiu as escadas. Até o terraço.
Continua…