.Saborela- Parte dois.
Lá no alto, longe da cidade intensa, chef e barista cozinham todos os seus desejos. Transam como animais famintos, sedentos, enlouquecidos. O cheiro dos dois corpos juntos e misturados exala por todo o prédio. Desce pelos canos, é levado pelo vento. Todos, da cozinha às ruas, sentem algo diferente no ar. Depois de cada um gozar, precisam descer e voltar para o trabalho. Calados e levemente suados, os dois desviam dos olhares fascinados dos outros funcionários. A chef recomeça sua banana flambada e o barista corre para preparar os muitos cafezinhos dos já saciados clientes. Os dias correm e essa nova rotina se instala. Na cozinha agitada, todos, em algum momento, sentem falta do novo casal. Nina e seu barista. O restaurante começa a ganhar mais adeptos. A fama cresce e se faz necessário expandir os negócios. Barista e chef agora são sócios. E juntos, percorrem a cidade em busca de prédios cada vez mais altos para abrigar as muitas franquias. Testam cada terraço. Aos beijos e mais beijos. Nina tem transado tanto que até emagreceu um pouco. Mas continua cheia, como a lua, plena. A boca sempre avermelhada. Adora dar de comer aos que têm fome. É o que melhor sabe fazer. E gosta ainda mais de ser tomada. Como um autêntico e saboroso café. Gelado ou quente, com chantilly ou leite. Mas precisa ser devagar. Um bom paladar sabe degustar e aproveitar cada nota de baunilha, cada ingrediente escondido. Mas sentido. Deliciado. Comer, beber… Um prazer tão básico e necessário. Para Nina é profissional e essencial. Outro dia, o barista pediu as contas. Desfez a sociedade e foi embora da cidade. Nina não chorou. Não se lamentou. A chef simplesmente entendeu que alguns pratos acabam. Algumas frutas enjoam ou não amadurecem nunca. Tudo bem. Estava pronta para ser comida. Devorada pedaço a pedaço. E tomada é claro. Em uma bela taça de vinho. No dia seguinte à saída do barista, lia-se um cartaz pendurado na entrada de Saborela: “Procura-se sommelier com bastante experiência”.