.Célula.
A moça foi comida de pé, no chuveiro do camarim da peça de teatro dele. Antes do espetáculo. Ele a agarrou por trás e a jogou debaixo de água sem a menor possibilidade de trégua. Ela tampouco queria. Queria ser mesmo comida! Por inteiro, apressado.Tinham se tido por uma única vez há meses atrás. Uma única vez que não saiu da memória corporal de nenhum dos dois. Quando se encontraram novamente, depois de algumas palavras trocadas pelas vias virtuais, a explosão inevitavelmente aconteceu. A moça foi desejar merda antes de ir se sentar na plateia. Não voltou. Assistiu da coxia. Contraindo todos seus músculos internos a moça aplaudiu o rapaz que a comera duas horas atrás, pela segunda vez na vida. Aplaudiu não somente com as mãos, mas com o sorriso intermitente, os batimentos cardíacos acelerados e um frio por dentro deixando sua superfície arrepiada mas mantendo curiosamente o calor dos meios. Saíram de lá rumo ao bar. Beberam suas ansiedades e presentes desejos. Seguiram para a casa dela. Onde não pararam de se tocar nunca mais.
.Selvagem.
Tomou as rédeas galopando rumo ao incerto infinito. Usou muitos cavalheiros bem dotados, talentosos eu digo, para se aperfeiçoar na arte de galopar. Parecia ter eternamente quinze anos. Descobrindo a sexualidade, com a pele viçosa, os seios duros e uma alma serelepe. Mas já passava dos trinta. Ninguém diria. Só mesmo quem teve a sorte de cruzar com ela na vida. Ela era dessas Amazonas determinadas que olham o caminho a ser cumprido e vai, sem olhar para trás, sem arrependimentos, a rainha do desapego. Uma transa era boa mas poderia ficar somente assim, numa lembrança longínqua, pois ela precisava, necessitava com urgência, liberar seu corpo para outros corpos. De formas, texturas e cheiros variados. A menina, a mulher, parecia ter asas ao sumir no mato com mais um cavalo. Um garanhão que daria conta de todo aquele exemplar feminino sem pestanejar. Aproveitando cada detalhe, cada anseio, cada lugar, esconderijos inabitados. No corpo dela havia muitas possibilidades. Ela passou a vida dessa maneira. Sem se importar com o que o outro poderia vir a pensar.
Maria Alice’…Só se…
Se encontraram na virada do ano depois de quatorze idos anos ocultos um do outro. Tinham vivido aquele amor tórrido, de arroubos, pueril. Transavam na velha caminhonete do pai dele. No mato, no banheiro sujo do botequim do seu Raimundo. Na cama do quarto dela com a porta entreaberta pois a mãe não permitia intimidades a sete chaves. Afinal, eram muito jovens. E assim o clichê seguiu perfeito. Veio a posse, o ciúme, as brigas até as vias do desrespeito. As mães da menina a mandaram para a Austrália. O país não estava vivendo o seu melhor momento mesmo. Ele ficou, o rapaz. Estudou, se formou, abriu consultório e quase se casou. Não compareceu ao próprio casamento. Apanhou muito depois disso. E voltou à rotina. O tempo passou mais um tanto e um novo ano se aproximava. E foi ali, no salão da casa de um velho vizinho amigo que ele a viu entrar. Maria Alice. Um amontoado de curvas bem distribuído e bronzeado. Altiva, segura, madura. Mulher! Trocaram olhares, ela sorriu com o canto dos olhos e ele com as covas da boca. Boca que em tempos antigos havia adentrado as reservas daquele corpo feminino. A festa correu, a pista aqueceu, os fogos estouraram e nada aconteceu. Entre eles agora havia somente um passado selvagem e um presente sereno. Guardado nos olhares risonhos do ano recém passado. A mulher não o queria mais. Há muito tempo não o queria mais. Ele voltou segurando o desejo na mão, sozinho. E saudoso.
.Só.
O cheiro da chuva invadiu seu gozo. Sozinha no sofá, enfiada numa tarde quente e rubra, ela começou a se tocar. De forma despretensiosa só para sentir uma cócega. Mas seu corpo foi enrijecendo com os dedos mais firmes e frenéticos. Molhada, dura, pulsante, encharcada. Do lado de dentro tudo se apertava, contraindo e descontraindo músculos. Do lado de fora nuvens grossas aportavam sobre o azul límpido de uma seca fora de hora. E assim, sem aviso ou pretexto, céus e ela inundados. O dia sendo lavado e ela sendo tocada, por ela e seus pensamentos livres, imorais e vertiginosos. Ela repousou as mãos ao longo do corpo e deixou penetrar a brisa úmida dos pingos externos. Estremecida. Uma mulher, solitária e satisfeita. Refeita de segundos atrás. Ela desce de shorts e top e se deixa banhar pela força da natureza. A chuva era agora tempestade, bruta e natural. Ela ainda era fogo, ardendo nos recantos de seu corpo. Mas se põe a escorrer rio sob o pingo robusto caído do infinito acima dela. Ela, solitária e serena. Refrescada de agora, arrepiada, singela, do lado de fora. E por dentro chama, no instante pequena mas logo fogueira, ardendo em um novo amanhecer, quente e rubro. Seco. E ela… Molhada. Toda molhada.
~Banho~
Estavam submersos se tocando com a fluidez da água. A intensidade líquida que invadia as peles arrepiava a superfície lisa e escorregadia um do outro. O outro de um. Dois. Lânguidos e frescos, refazendo percursos com o tato, com o lábio roçando e mordiscando alguns milímetros do corpo feminino. As curvas contornadas por ondas que quebravam brancas no início de algum lugar, em alguma praia, qualquer… Uma praia qualquer engolindo, tragando e colocando para fora novamente. Jorravam os dois dentro do mar. Era possível ouvir o som das pedras que recebiam as lambidas salgadas e intensas. E os dois como chamas gigantes brincando com o vento sem se apagar, mesmo molhados, mesmo sedentos. Enlouquecidos, incrustados no outro, sem tempo ou sermão. Um momento parado em movimento. Girando para sentir a vida pulsando no corpo. Inebriados de maresia, sol e lua, comendo as estrelas a palito e sorrindo o brilho inevitável de quem se esbaldou no paraíso. Aquele interno, compartilhado a dedos profundos e bocas abertas. Chupando como suculentas frutas o proibido, o outro corpo, despido, nu, cru, gemendo, aquecendo e retornando para o início. Ou para o fim. Enfim, gozaram juntos!