.Memória.
Ela quase não sentiu o dedo dele penetrar pelos eixos dela. Estava tão molhada, tão lisa, tão suave que chegou a duvidar da carne dele dentro dela. Um desejo sendo realizado nos profundos dos tremores dela. Um impulso nervoso levando ao cérebro fervilhante uma camada submersa de prazer. Ela sabia viver o melhor momento do presente. Estava ali e não ausente. Estava firme, rósea, maculada como uma virgem desvirginada. Uma louca diplomada, doutora em satisfações pessoais. Um caldeirão ensopando a carne masculina e intimidada de garoto apaixonado e perdido. Perdido nos labirintos dela, nas curvas periclitantes de sua moldura corporal. Uma junção deliciosamente improvável e certeira. Sendo assim, o gozo comum já era consequência anunciada. Um jorrar infindo de gemidos e suores destemidos. Providos da vontade original de possuir e ser possuído. Por instantes, sem culpa, sem julgamentos, sem roupa. Um lugar dividido em dois com lábios apontados para alvos vivos e trêmulos. O sentido agora que logo se tornaria pó da memória? Nostalgia doida, peles tatuadas na saudade. E é sempre assim. Encontros mágicos que ficam ali, em algum estado, em algum tempo, guardados.
Remédios’.Cura- Parte dois.
Remédios chegou em casa e ligou pra ele. Joel atendeu sem acreditar na voz que ouvia vindo do outro lado da linha. Era impossível não reconhecer aquele doce singelo que escorria pelo aparelho telefônico. A moça foi logo direta. Queria encontrá-lo pessoalmente. Disse que não tinha conseguido esquecer a paz que atravessava dele para ela depois de uma descoberta caótica na vida. E Remédios, mesmo tímida e imatura foi falando tudo assim, meio cuspido, sem pausa, sem entrelinhas, despida de cerimônias. Sentia uma intimidade irresistível por aquela voz ainda sem rosto. E no dia seguinte, no encontro deles, ela confirmaria a reciprocidade daquele sentimento repentino e não por isso, completamente verdadeiro. Remédios perderia a virgindade da boca e das cutículas pois faria as unhas naquela manhã, do dia do encontro, o dia seguinte da ousadia dela, desse presente. O presente de estar vivo. Independente de inexperiências ou doenças. Remédios começava a correr para a posse de suas intuições e sentimentos. Joel passava a caminhar mais agradecido pelas oportunidades, aproveitando cada surpresa vinda de onde menos se esperaria. A angústia e a dúvida dele trouxe ela, seu remédio. Chapado pelo clichê da situação, ele tomou com cautela cada gota daquele santo corpo sincero, lapidado, fervente. Protegeu o sexo. E ela remediou a solidão e dividiu a sua maior preciosidade: sua existência.
Remédios’.Cura- Parte um.
Remédios trabalhava pelo telefone. Ouvidoria do disk saúde. Respondia dúvidas, registrava críticas e queixas. E também ouvia muitas declarações de amor. Tinha uma voz doce e um nome bem sugestivo. Era solteira. Tímida. Conservadora. Medrosa. Aparava somente as pontas do cabelo de tempos em tempos. Suas cutículas eram virgens e também sua boca. Vinte e dois anos completavam sua existência. Mas era ambiciosa, queria crescer. Por isso, começou a fazer um diário de trabalho. Anotava em um caderninho antigo os telefonemas mais interessantes do dia. Não citava nomes, claro. Era discreta e profissional. Atendia bem e escrevia melhor ainda. Uma mulher criativa, jovem, imatura, fértil, cheia de possibilidades, de espaços sedentos por experiências. Um corpo no mundo. E uma alma com fome. Certa tarde, recebeu a chamada de uma voz masculina aflita, perdida. Joel estava com medo, pois havia transado sem camisinha. Nunca tinha feito isso. Era um cara responsável, caxias até. Remédios tentou tranquilizá-lo. Explicou o necessário incentivando o rapaz a fazer o teste. Ele se despediu agradecido e aparentemente mais calmo. Passadas algumas semanas ela reconheceu a voz. Sim, o improvável aconteceu. Uma nova ligação dele caiu para ela. Essas coisas de destino, acaso, história de pescador… O fato é que Remédios ouvia a voz de Joel que agora, não tinha aflição. Tinha serenidade. Tinha rumo. Tinha vontade. Ele havia feito o exame e o resultado era positivo. Remédios titubeou na reação, quase que ela própria se perdeu. Mas o rio calmo e lento que era a voz daquele homem sem rosto deixou seu coração batendo bem dentro do compasso. Remédios queria conhecê-lo. Sentia algo diferente. Uma formigação que parecia nascer de dentro para fora, literalmente. Como uma mãe que sente prazer parindo um filho. Algo difícil de explicar e fácil de julgar. E simplesmente natural. Como uma loba que tem seu filhote, sozinha, na mata. Um bicho, uma fera, uma selvagem. Uma mulher! Remédios, mesmo virgem, sentia-se plena, como a dona da matilha. Desligaram depois de algumas considerações. E Remédios anotou o número de telefone que aparecia piscando em seu registro, sobre a mesa de trabalho de anos e anos. Remédios trabalhava desde os dezesseis. E agora, queria começar a viver, de fato. Sentiu, lá no fundo, de todos os seus fundos, que Joel seria uma trilha.
Continua…
Ana Mariana’,Abril,
Ana Mariana naquela semana, em um abril indeciso, chuvoso mas quente, alimentou-se de encontros profundos com conhecidos e desconhecidos. O mais interessante é que o gozo se dava em frases proferidas despretensiosamente profundas como os tais encontros. Um encontro depois de um desencontro. Ana Mariana se perdera no caminho mesmo de mãos dadas com o parceiro. Desviou o corpo por outras terras, voltou suja mas livre. Despejou a verdade crua e vestida de sinceridade nos olhos e no coração dele. Sofreram. Ela chorou como um mar tomado pela interseção com o rio. Um rio caudaloso mas imenso, corrido, abrigando tantos seres. Ele quase secou de tanta razão. Mas o tempo… Ah o tempo. A emoção se fez casada com a cética racionalidade e os dois, ela e ele, resolveram dar novas chances á suas almas. Queriam continuar aprendendo juntos, passando pelas tormentas e vendo unidos a paisagem do depois. Se queriam, ainda. Iam se querer por um bom tempo. Por muito tempo. Mesmo depois de tanto dele. Ele disse: “cuando te veo bailar, em tus movimientos percibo el mundo entero. Creo que cuando te mueves, mueves todo el mundo.” Ana Mariana se fazia plena de fato, dançando. E ele enxergava isso. Tanto bastava. Naquela semana, profunda de abril, indeciso se de chuva ou de sol, Ana ia marinando seu intenso coração. Depois de tantas conversas, lágrimas e resoluções, foi atravessada por uma senhora “moderninha” no shopping que a indagou sobre a tatuagem no meio das costas, na altura da curva da cintura. “É uma borboleta” respondeu Ana Mariana. A senhora “moderninha” então sorriu e mostrou a sua borboletinha pousada em flor tatuada no braço enrugado. E ainda sorrindo, simpática e atrevida, mostrou um beija flor que morava tatuado em seu seio esquerdo. “Eu queria mesmo era ter tatuado a bichinha sabe, porque ela é gordinha como a da minha mãe. Depilava e fazia bem na racha. Mas naquela época não tinha tatuagem né minha filha?!” E saiu gargalhando e puxando papo com a mocinha do balcão de informações. Aquilo foi a leveza daquela semana indecisa de abril. Um mês chuvoso mas iluminado! Quente! Ana Mariana não mostrou o beija flor que voava em cores no seu braço direito.
Murici’.O que não dá.
Murici foi pega de surpresa. Foi adentrada sem aviso prévio. Poderia configurar um estupro. Mas o que assustou foi o prazer que sentiu. Estupro não seria mesmo pois ela o queria, há tempos o queria. Ele chegou com a dureza no ponto e sua vagina já molhada do sonho desperto pelo impacto dele dentro dela. No preenchimento sem aviso gozou quase que instantaneamente sentindo cada movimento ondulante de suas paredes internas. Sentiu também que ele sentiu. Por isso, o gozo foi concomitante, com pequenos milésimos de diferença. O jorro dela durou mais, encharcou mais, surpreendeu mais. Ele tonto, afogado, exausto, tombou ao seu lado, como um menino farto da melhor brincadeira, de um dia livre, feliz, sem culpas. Ele recém divorciado segurou até o último minuto para possuir o que já o possuía há tempos. O desejo de Murici. Por ele. A força da energia despendida dos poros dela sobre a presença dele. Aquela coisa de vontade enrustida, desejo reprimido, proibido. Finalmente realizado em cima dos lençóis solitários dela. Ele nunca mais saiu de cima daquela cama. Findariam os dias assim, realizados.